No curto tempo em que fui estudante de Artes Visuais uma questão sempre
me preocupou: por quê os trabalhos que eu faria seriam de alguma forma
importantes? Toda arte é filha do seu autor e, portanto, possui aí sua dose de
subjetividade, de sentimentos e de história de vida desse artista. Ela é
reflexo de sua visão e nasce a partir de uma intencionalidade.
Há obras que representam a felicidade, a esperança, a solidão ou a
melancolia. Ora, por que alguém iria a uma galeria de arte ver a expressão de
sentimentos, visões de mundo e histórias de vida de autores desconhecidos? E
mais, por que comprariam essas obras e as colocariam em suas casas ou locais de
trabalho?
Talvez a melhor pergunta seja: o
que faz uma obra de arte ser importante para alguém (além de seu autor)?
Existe claramente a afinidade estética, gostamos do que achamos bonito. Mas uma
obra é mais complexa do que isso. Ela tem história, intencionalidade e evoca
sentimentos. Um belo soneto é mais do que suas rimas. E a arte não precisa
necessariamente ser bonita (do ponto de vista do observador) para ser marcante.
E é possível que eu não consiga chegar numa resposta clara e definitiva
para essa questão. Mas anos depois de ter tido essas preocupações, consegui
encontrar alguns caminhos de interpretação.
Em primeiro lugar, a arte é importante por si só como forma de
expressão. É importante se expressar numa sociedade que viveu mais de trezentos
anos de um regime escravista, e que há algumas décadas atrás enfrentava a
censura de um regime ditatorial. Tentaram calar nosso povo, mas ele nunca
deixou de se expressar através das brechas que encontrava no sistema. O
fantasma da censura continua a assombrar, e lembranças de dias difíceis de
outrora pairam sobre nós. Mas como diz a música O bêbado e a equilibrista:
“o show de todo artista/ tem que continuar”.
Em segundo lugar, tem algo que buscamos na arte. A experiência estética
com certeza está presente. Mas me parece também que buscamos sentir algo. A
comédia nos faz rir, o drama nos emociona, a aventura nos enche de coragem e
excitação, a fantasia nos transporta para outras realidades, o terror nos faz
temer e sentir que estamos vivos, as obras religiosas nos trazem consolo. A
arte nos toca e nos traz emoções, evoca sentimentos.
Mas eu sou um artista desconhecido, pode meu trabalho tocar alguém?
Evidentemente que sim. Porque nós, seres humanos, temos a capacidade de cativar
os outros e sermos cativados por eles. Eu posso não calçar seus sapatos e
caminhar nos seus passos, mas posso chorar sua dor. Posso me revoltar com seus
versos subversivos ou me derreter com suas histórias de amor.
Suas experiências são suas, assim como sua visão de mundo e suas
emoções. Se você decidir expressá-las através da arte, pode acabar encontrando
pessoas que se sintam tocadas por seu trabalho, seja por pensarem/sentirem de
forma semelhante, ou por terem sido por ele cativadas. Por mais pessoal que
seja seu trabalho, ele pode encontrar eco por aí. O mundo é grande, afinal!
Nós, seres humanos, somos mais parecidos do que imaginamos. Todos nós
sentimos medo, alegria, esperança, dor, saudade, solidão, tristeza, raiva,
amor. Todos nós questionamos no nosso íntimo o que queremos da vida, o que
estamos fazendo dela e qual seu sentido. Talvez seja difícil para você explicar
o que é saudade, mas pode haver uma música que represente ela para você. Talvez
seja difícil descrever do que você sente medo, mas uma imagem pode vir em sua
mente e você pode reproduzi-la no papel.
A arte pode tornar
concreto o que é abstrato dentro de nós. Pode ajudar a entendermos a nós
mesmos. A sua arte importa pois ela é expressão sua, da sua história de vida,
do que te feriu ou te cativou, e pode ser uma maneira de você lidar com isso.
Ela faz parte do seu mundo, e você não precisa ficar sozinho nele. Por isso ela
deveria ser publicada, pois ao compartilhar com os outros, eles serão capazes
de acolher, se transportar ou quem sabe até habitar nesses pequenos pedaços do
seu mundo.
E, pensando por esse lado, talvez um artista seja então alguém que
gostaria de ser menos solitário.

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