Verão Azul - um romance arrebatador

 

"Verão Azul", por Brendon Duhring.

Verão Azul é um romance escrito por Brendon Idzi Duhring lançado em outubro de 2020 como um e-book pela Amazon. Ambientado em Porto Alegre, ele narra a vida de Lucca em seu último ano no ensino médio: seu tédio, seus dramas, suas alegrias e seu relacionamento com Eduardo.


Sinopse:

Na escola em que Lucca e Eduardo estudam há dois grupos que detém o status de popularidade: os jogadores do time de futebol e os membros da equipe de cinema. Lucca faz parte do primeiro grupo e Eduardo, do último.

Tudo estava tranquilo até o relacionamento do melhor amigo de Lucca, do time de futebol, com uma garota da equipe de cinema, terminar de forma dramática, gerando o primeiro conflito da história e que repercute ao longo dela. 

O conflito abre espaço para a aproximação de Lucca com Eduardo, esse garoto que, apesar de ser conhecido pelo trabalho nos filmes da escola, ao mesmo tempo se apresenta como um mistério. Na busca de desvendá-lo, Lucca vai precisar encarar muitas coisas: seus colegas de time, sua família e até mesmo sua sexualidade.

 

Os protagonistas:

Lucca: um jovem desanimado com seu último ano no ensino médio. É jogador do time de futebol e um tanto negligente nos estudos. Como a maioria dos adolescentes, não sabe o que quer da vida. Vive com a mãe, a irmã e o padrasto e possui um bom relacionamento com eles. Seus dias tediosos são abalados pelo término de seu melhor amigo. Ele se aproxima de Eduardo e sua vida começa a ganhar emoção. Lucca é um personagem bastante carismático e, como acompanhamos a história a partir da visão dele, nos apegamos fácil a ele.

Eduardo: membro do grupo de cinema. Anda com a galera indie e alternativa. Está no centro do primeiro conflito da história e traz dinâmica a ela. Eduardo é um grande mistério que Lucca (e quem lê o livro) sofre e demora pra desvendar. Cada nova informação sobre Eduardo é valiosa pois suas ações ao longo do romance não são simples de entender.

 

Considerações finais – uma história arrebatadora:

Lucca é um personagem interessante na medida em que é verossímil, isto é, parece um adolescente real. É fácil se identificar com ele em vários momentos. Eduardo é um personagem mais complexo, cujas ações não são tão claras pra nós (e nem pra Lucca).

O primeiro vem do mundo dos esportes e o outro, das artes. Esse encontro entre os dois mundos traz interações interessantes entre eles, que acabam por desfazer certas ideias pré-concebidas de como seria o mundo do outro.

A história adquire rapidamente um ritmo arrebatador. Os primeiros encontros entre os dois são de acelerar o coração. E não menos acelerado ele fica quando surgem os primeiros dramas.

Eduardo e Lucca são jovens que erram, e não são erros pequenos. Passam de um início de relação que é sedutora, apaixonada e cheia de pequenas descobertas pra conflitos dolorosos e que machucam a ambos. E a narrativa nos permite sentir tudo junto com Lucca, o que é um grande mérito do autor.

Os dramas são tão verossímeis e a narrativa é tão imersiva que a leitura em certos momentos se torna angustiante. E passamos cada página buscando uma resolução, mas não dá pra saber o que vem a seguir. Quando a história se torna dinâmica e te prende fica difícil largar; ela te arrebata, e você precisa ler o próximo capítulo.

Brendon trabalha muito bem a ambientação e apresenta personagens secundários que são interessantes e tem papeis importantes na vida dos dois garotos. Toca em temas como racismo, machismo, homofobia e relações familiares. Outro ponto positivo é a forma que ele desenvolve a sexualidade de Lucca, de maneira delicada, sem pressa.

Verão Azul é um romance que nos desperta muitos sentimentos. A leitura é gostosa e nos convida a acompanhar a montanha russa de emoções de seus personagens em direção ao futuro. E enquanto o verão não chega, o futuro é incerto. Mas vale a pena apostar nele. 

 



David Bowie e eu - um relato de inspiração

 

David Bowie Is, Cosac Naify (2014)

Conheci David Bowie quando eu era criança. Foi através do filme Labirinto (1986), que meus pais compraram em DVD. “Labirinto: A Magia do Tempo” não foi bom nas bilheterias. O que é estranho, visto que o mundo criado por Jim Henson (o pai dos Muppets), com seus incríveis duendes, boa ambientação e efeitos especiais, bela atuação de Jennifer Connelly e, claro, o show à parte que é David Bowie (que interpreta o rei dos duendes), na atuação e na trilha sonora, deveriam ser vistos como uma combinação de sucesso. De qualquer forma, o foi para mim.

Jareth, o rei dos duendes, tinha algo de especial que me prendia a atenção. Ele era estranho, mas um estranho interessante. Um bizarro que tinha algo de diferente, mas que de alguma forma me era familiar. Mais tarde fui entender que era a dissidência dos padrões normativos que aquele personagem evocava. A maquiagem, o cabelo gigante e espetado que denota poder (né, Dragon Ball?), as roupas que eram uma mistura de conde vampiro e glam rock, tudo aquilo chamava a atenção.

Fui imediatamente pesquisar mais sobre aquela pessoa, e qual não foi minha decepção ao perceber que aquele cabelo não era real! Que baque! Entretanto, ao ouvir as músicas de Bowie, meus ouvidos identificaram algumas (as mais famosas, Heroes, Let’s Dance, Rebel Rebel) que no fim das contas não me eram tão queridas assim. E o encanto passou.

Poucos anos depois eu volto a ouvir os rocks dos anos 70 e 80, dessa vez com mais conhecimento em navegar na internet, buscando assim as letras e os clipes. E me deparo novamente com Bowie. Mas dessa vez, conheço o Bowie de Ziggy Stardust e Alladin Sane. Ele não dava vida a personagens apenas no cinema. Sua carreira musical fora recheada de personagens. Foi um grande achado, e que me fez querer conhecer cada vez mais daquele artista.

Ao longo de sua carreira, Bowie criou diversas personas no palco para representar diferentes momentos de sua vida. Ele era teatral, era experimental, era de uma originalidade que inspirou a tantos, de Kurt Cobain à Lady Gaga, de Freddie Mercury à Rita Lee. Ele brincava com os padrões de sexualidade e gênero com suas personas andróginas, e deu grande contribuição ao movimento de libertação gay da época.

Eu quis conhecer Bowie para além das canções que fizeram sucesso. E Bowie é uma mina de criatividade e talento. Ele passeou por tantos estilos musicais, do psicodélico ao glam rock, do folk ao new-wave, e sua carreira como ator envolve, além do rei dos duendes, um alien que caiu na Terra (um dos temas que ele mais amava, com certeza) e o cientista Nikola Tesla.

E se você pensa que esse homem se esgota em música e cinema, está enganado. Há muito ainda para se dizer do papel de Bowie no teatro, nas artes visuais, na moda, na literatura e poesia. Sua estética é rica e derivada de tantas inspirações: Nietzche, ficção científica, budismo, Aleister Crowley, androgenia, piratas, aliens...

David Bowie foi uma estrela de primeira grandeza cujo brilho não se apagou com sua morte, que foi a primeira e até hoje única morte de uma celebridade que me fez chorar. Entretanto, como alguém tão extravagante em vida, ele não podia partir sem se despedir, e dois dias antes de falecer (ou voltar para o planeta de onde veio, vai saber) ele nos deixou um de seus maiores álbuns, Blackstar.

Conhecer David Bowie foi um grande prazer na minha vida. Bowie é um mistério que vale a pena tentar desvendar. Bowie é a arte em suas várias manifestações, nos convidando a entender o mundo a partir de diferentes olhares. É a música que casa com a moda e se faz teatral e performática, exibindo toda sua controvérsia e capacidade de se reinventar. 

           

David Bowie Is, Cosac Naify (2014)


Hitorijime My Hero é um yaoi cheio de qualidades

 

Hitorijime My Hero (2017), por Encourage Films

Hitorijime My Hero é um anime de 12 episódios baseado no mangá de mesmo nome escrito por Memeco Arii. Um yaoi com doses de comédia e drama. A história acompanha dois casais, Masahiro Setagawa e Kousuke Ohshiba, o casal principal, e Kensouke Ohshiba e Asaya Hasekura (que são o casal principal no mangá Hitorijime Boyfriend).

Sinopse: um adolescente problemático

Masahiro é um adolescente sem esperança. Ele mora com a mãe que é ausente por conta do trabalho como garota de programa. Enquanto era estudante do ensino fundamental, Masahiro acabou se envolvendo com gangues de rua pois queria ser aceito e fazer parte de um grupo.

Seu visual é composto de cabelo descolorido e brincos e piercings, que formam o visual clichê de “jovem delinquente” nos animes e mangás. Apesar da aparência de “delinquente” ele é tímido, gosta de cachorrinhos, de cozinhar e tem um grande coração.

Masahiro para de sair com os rapazes da gang (que o exploravam) depois de conhecer Kousuke, irmão mais velho de seu amigo Kensouke. Se sentindo resgatado por Kousuke, Masahiro passa a vê-lo como uma espécie de herói, uma figura exemplar, e se torna seu “subordinado”. Mas isso dura pouco pois Kousuke acaba saindo de casa para estudar.

Anos depois Masahiro e seu amigo Kensouke estão no ensino médio. As surpresas já começam no primeiro dia de aula quando Hasekura, ex-amigo de Kensouke, aparece na mesma sala que os dois garotos. Ambos eram extremamente próximos quando crianças, mas em um determinado momento precisaram se separar pois a família de Hasekura mudou de cidade. Kensouke não aceitou bem a notícia da mudança e brigou com o amigo, fato que sempre o atormentou. Kensouke, um garoto ingênuo e extremamente fofo, precisa então encarar Hasekura, um bishounen ciumento, para reatarem sua amizade. Mas os planos de Hasekura não envolvem exatamente amizade.

A segunda surpresa é que, quando os rapazes da gang voltam a procurar por Masahiro para importuná-lo, Kousuke aparece. Ele não só salva o protagonista mais uma vez como dá a notícia de que ele fora contratado para ser professor temporário na escola dos garotos. Masahiro então passa a encontrar a pessoa que ele tanto admira diariamente. E a partir daí sentimentos se desenvolvem entre aluno e professor.

Crítica: um yaoi cheio de qualidades

Hitorijime My Hero apresenta uma série de personagens coadjuvantes extremamente interessantes. Cada um participa de momentos específicos e criam situações estimulantes no desenrolar da história.

O grupo de amigos de Masahiro e Kensouke vivem se reunindo na casa deste último e tendo momentos de grande descontração. A amizade entre eles é bem trabalhada e os ajuda a enfrentar os problemas que surgem, inclusive os problemas internos do grupo.

O professor Kousuke também tem seu próprio grupo de amigos que costuma se reunir num bar. Lá, ele busca entender melhor seus pensamentos e sentimentos e compartilha suas questões enquanto bebe. A maior parte das questões envolve sua relação com Masahiro e seu trabalho.

Em Hitorijime My Hero o humor é leve e bobo. Isso ajuda a aliviar as tensões que surgem na trama. O grupo dos amigos do ensino médio passa algumas situações bem divertidas ao longo da história.

O anime dá uma grande bola dentro apresentando a importância da amizade. A amizade é exibida como uma rede de apoio em Hitorijime My Hero e torna a vida dos personagens mais engraçada, mais rica e, nos momentos difíceis, mais suportável. E essa é a maior qualidade do anime.

O casal principal é interessante e tem muitos momentos bonitos e fofos. Os problemas que eles enfrentam são bem reais. Eu já acompanhei algumas histórias yaoi em que o maior problema enfrentado pelo casal é um terceiro cara (que as vezes aparece do além!) e que se sente atraído por um dos dois, causando ciúme e desentendimento. Aqui não, as dificuldades que Masahiro e Kousuke precisam superar têm mais sentido e nos deixam mais preocupados com o destino deles.

Kousuke, herói de Masahiro, é bem-humorado e se importa bastante com as pessoas a seu redor. É visto como alguém “sem fraquezas”, uma espécie de homem perfeito. E o jovem Masahiro aparece inicialmente como fraco, dependente, incapaz de tomar iniciativa e que foge diante dos problemas. Esse choque de personalidades vai se contornando a medida em que os personagens vão desenvolvendo sua relação. 

Valorizando o diálogo, a amizade, conflitos mais próximos da realidade e o desenvolvimento de seus personagens, Hitorijime My Hero é um yaoi cheio de qualidades que toca em temas necessários. Apresenta boas doses de comédia, drama e cenas românticas. E é altamente recomendado para descontrair e maratonar. 

 


Eduardo Galeano - O Caçador de Histórias

 


Já fazem cinco anos que perdemos Eduardo Galeano, um dos maiores caçadores e contadores de histórias do nosso continente. Nascido em 1940 na cidade de Montevidéu, seu sonho de criança era, como qualquer garoto uruguaio, ser jogador de futebol. E foi um dos maiores do mundo, enquanto dormia. Acordado era um terrível perna-de-pau, como ele mesmo gostava de dizer.

Começou a trabalhar cedo e já adolescente publicou sua primeira charge no jornal do Partido Socialista. A partir daí começou sua carreira de jornalista. Em 1971 lançou sua obra-prima, As Veias Abertas da América Latina, livro que denuncia os ultrajes infligidos ao nosso povo ao longo de cinco séculos.

Galeado foi perseguido e exilado inúmeras vezes, e levava jeito para mochileiro. Conheceu nossa América de perto e se tornou um caçador de histórias que ouvia dos indígenas, dos negros, dos pobres e humilhados dessa terra. Seu trabalho foi escutar as vozes que não são ouvidas. E seu legado foi mantê-las vivas para que chegassem até nós. 

O Caçador de Histórias é uma das últimas obras escritas por Galeano. Uma antologia de diversas histórias que vivenciou ou ouviu ao longo de décadas, algumas bem atuais, outras recuperadas nas águas da fonte da memória do mundo.

 

“Lembro dela, vejo ela: a mãe de Pepe Barrientes, ondulando numa cadeira de balanço, rodeada pelo verde das plantas em seu rancho no bairro de Buceo.

A picardia dava luz aos seus olhos, afundados na pele escura, sulcada por mil rugas, enquanto Pepe e eu nos queixávamos, a duas vozes, dos maus amigos que no bairro ou no trabalho se sentiam obrigados a ser mais que os demais e andavam às cotoveladas, simulando abraços.

E então a velha, que era de pouco falar e muito dizer, sentenciou:

- Pobre dessa gente que vive se medindo.”


Rain Dance - um protesto social com referências a Pokémon

 

Capa de Rain Dance por guerrer0

Rain Dance é a última beat tape lançada pelo rapper independente guerrer0. Morador da cidade de Ourinhos, no interior de São Paulo, ele lançou recentemente o EP Unova, que homenageia a região homônima da franquia de Pokémon. Agora com Rain Dance, guerrer0 apresenta um protesto social sem abandonar as referências à Pokémon.

Rain Dance é um ataque do tipo água disponível nos jogos de Pokémon a partir da segunda geração. Ao usá-lo, uma chuva se inicia por 5 turnos, aumentando o poder dos ataques aquáticos. No início da tape, quem lança a Rain Dance é Suicune, o lendário Pokémon de água da região de Johto. Suicune tem também a habilidade de purificar as águas que toca.

Mas como falar de Pokémons e ataques aquáticos pode fazer parte de algum protesto social? guerrer0 traz essa temática de água e chuva como referência a situação da constante falta d’água em Ourinhos. Uma matéria do Jornal Contratempo do dia 29/10 informa que em algumas regiões da cidade a água acaba diariamente, e que os moradores não recebem esclarecimentos acerca dessa crise hídrica. Há racionamento de água e a população precisa se desdobrar para aprender a lidar com essa crise.

Nas faixas que compõe Rain Dance, guerrer0 apresenta beats suaves acompanhados de diferentes sons de água como de torneira pingando, descarga, chuveiro, e ele traz a voz dos jornais que noticiam essa situação e da própria população: “A gente trabalha o dia todo, a gente chega em casa e não tem água”, “numa lanchonete, inclusive, não tinha água pros funcionários lavar copo”, “isso não é de agora, isso vem de alguns anos”, “tá horrível essa falta de água em Ourinhos”.

O som cria uma boa ambientação e as falas ajudam a tornar mais concreto, principalmente para quem é de fora da cidade, todo o drama da crise hídrica na voz de quem a vive.

Na faixa final da tape, “explicaçãoOUR”, é o próprio guerrer0 que fala, contextualizando a situação toda e mostrando formas que o povo ourinhense vem encontrando para protestar, já que as autoridades seguem caladas. A forma que ele encontrou foi exatamente através de Rain Dance, de maneira direta e criativa. O acesso a água é um direito básico que está sendo constantemente violado em Ourinhos. E enquanto o poder público não se pronuncia, o rapper, fazendo seu papel, denuncia. 




Porque sua arte é importante (e você deveria publicá-la)

  No curto tempo em que fui estudante de Artes Visuais uma questão sempre me preocupou: por quê os trabalhos que eu faria seriam de alguma f...